24 de março de 2009

Uma questão de estilo...

E
stilo, segundo entendo, é a alma do escritor, é a forma única e inconfundível como ele escreve seus textos. É como uma impressão digital: você pode até achar semelhanças entre dois estilos, mas nunca encontrará dois iguais.
Dito isto, vale ressaltar que todo escritor, principalmente os iniciantes, pode se beneficiar e evoluir seu estilo "apreendendo" o estilo de outros. Vejam que falei apreendendo, prestando atenção, e não "aprendendo", pois suponho que o estilo não é algo a ser aprendido, mas sim desenvolvido.

Apenas para dar alguns exemplos, vou tentar "simular" aqui o estilo de dois escritores que admiro bastante: Stephen King e Neil Gaiman.

A situação: À noite, um homem (que chamaremos de Neil King) dá um beijo na esposa, sai de casa e encontra um gato morto.

Versão Stephen King: Neil aproximou-se da esposa e envolveu sua cintura com o braço, dando um beijo caloroso. O beijo deixou-lhe um estranho gosto de despedida na boca, como se aquela fosse a última vez que a veria. E realmente era. O rangido da porta soou como um gemido agudo de alguma casa abandonada, embora ele tivesse novamente colocado grafite nas dobradiças no dia anterior. Do lado de fora, a lua o encarou como um olho amarelo e doentio, enquanto ele cruzava a distância que o separava da calçada. A noite estava impossivelmente silenciosa, como se o ar estivesse tão pesado que o próprio som de suas passadas não conseguisse chegar aos ouvidos. Na calçada, seus olhos foram desviados para um estranho montículo, que não estava ali quando chegara, poucas horas antes. Sua nuca se arrepiou quando viu o gato morto. Não porque estivesse morto, desde criança Neil estava acostumado a ver animais mortos na rua em frente à sua casa; mas algo estava definitivamente errado com aquele gato, algo que ele não sabia precisar. Seu estômago pesou e suas mãos começaram a suar, quando ele se aproximou do animal e descobriu que...

Versão Neil Gaiman: Neil – ou King, como seus amigos o chamavam – se moveu fluidamente pela casa, quase como uma dança, enquanto pegava suas coisas e se aproximava da esposa, na cozinha. Ela retribuiu seu beijo com aquele sorriso entre maroto e ingênuo que sempre o deixava imaginando como uma mulher como aquela havia se interessado por um cara como ele. Ainda dançando, Neil abriu a porta e saiu para a noite. Enquanto vencia a distância até a calçada, ele sentiu sobre si os olhares de mil deuses antigos, espiando o mundo dos homens através de suas estrelas particulares. Seu olhar foi atraído por um gato morto, no canto da calçada. Sem saber exatamente porque, o gato lhe lembrou Bubastis, deusa-gato que ele havia conhecido anos antes em um documentário sobre o Egito antigo. Neste momento, uma das estrelas que o espiavam brilhou mais intensamente, apenas por meio segundo, tempo suficiente para que...

Tamanho das frases, uso de metáforas, uso de palavras e referências mais ou menos usuais, voz passiva ou ativa, forma de narração, inclusão de mais ou menos detalhes, quebra dos parágrafos, concentração mais nos sentimentos e personagens ou mais nos detalhes que os envolvem... São mil os detalhes que compõe um estilo.
Releia os textos acima e tente decifrar estes elementos. Semana que vem conversamos mais! :)

16 de março de 2009

Gestação: Incrementando sua ideia

Temos até 2012 para remover o acento de "idéia", mas para acostumar, vamos deixar sem acento pelo menos no título ... :)
Antes de mais nada, "Gestação" é um nome cunhado por mim; até onde eu sei outros autores que escreveram sobre este assunto ("a arte de escrever"...) eventualmente mencionam esta etapa da produção literária, mas não a "batizaram" desta forma. O nome "gestação" vem justamente da forma que trabalhamos para fazer a idéia crescer, evoluir, até se tornar uma história completa. Atenção para este ponto, que é bastante importante: uma idéia não é uma história! A idéia, também chamada de "premissa" ou "tema", é o cerne da história, é aquilo que os leitores irão responder quando alguém perguntar: "sobre o que é a história?". Já a história é um conjunto complexo que envolve ambiente, personagens, tramas, e muitos detalhes mais - inclusive outras idéias - que se unem para desenvolver aquele tema. Para transformar a idéia em história precisamos, basicamente, saber mais sobre ela. Nesta etapa de gestação, as principais dicas seriam:
  • Pesquise sobre sua idéia. Leia diversos livros sobre o assunto, até ter sua opinião própria, e sempre, sempre tenha um lápis e um papel à mão nestas leituras. Por exemplo, para os 5 capítulos de "O Nome da Águia" que envolvem de alguma forma o ditador Adolf Schicklgruber Hitler, um dos livros que li foi "Albert Speer: sua luta pela Verdade", de 1008 páginas; que resultaram em 3 páginas de anotações: a música preferida de Hitler, condições climáticas da Alemanha na época do fim da Segunda Grande Guerra, diversas referências geográficas, etc.
  • Entreviste ou converse com especialistas. O fim do livro "O Nome da Águia" mudou três vezes antes que eu começasse a escrevê-lo (ainda na etapa de gestação...), pois minhas conversas com estudiosos da história Judaica e pessoas que passaram por experiências de quase-morte me levaram a modificar algumas das concepções que eu tinha para o livro.
  • Conte sua idéia! Sempre que possível, reuna seus amigos (de preferência, escritores ou leitores contumazes...) e conte a idéia em seu ponto atual, indicando o que ainda não está claro e o que você acha que pode ser melhorado. As idéias coletivas que surgem sempre são excelentes pontos de partida para incrementar sua idéia, ou eventualmente descobrir que ela não vale à pena! O curioso é que, cada vez que você conta sua idéia (mesmo que ninguém contribua com nada), sua mente se exercita para povoar com detalhes o esqueleto básico que está se formando, assim, a idéia vai evoluindo naturalmente.
  • Anote, rabisque, desenhe, lembre. Eu, particularmente, não esqueço de uma história quando estou trabalhando nela, e até o fim da etapa de gestação só tenho anotadas as referências dos livros e conversas. Mas conheço autores que anotam as idéias principais, os "pontos focais" da(s) trama(s) de diversas formas. Uma forma particularmente interessante de registro é na forma de grafos, onde um ponto se liga a outro por setas - com a vantagem que você consegue anotar de maneira visual diversas possíveis variações da história que está tomando forma, antes de decidir qual seguir.

Em algum momento, você irá perceber que a idéia começa a se tornar uma história completa. Obviamente ainda há muito a burilar, mas neste ponto você já poderá avaliar se a história que tem em mãos efetivamente vale à pena ser contada, ou se é melhor abandoná-la e começar tudo do zero.

E não se intimide em recomeçar quantas vezes for necessário: além disso ser normal, é muito melhor do que continuar investindo tempo em uma história na qual você não acredita 100%. Se você não está empolgado com sua quase-história ao fim da gestação, então como vai conseguir empolgar seus leitores?

2 de março de 2009

Escolhendo uma (boa) idéia para seu livro

Como saber se uma idéia é "boa"? Desnecessário dizer que "boa" é um conceito altamente discutível, mas vamos nos ater aqui a um "boa" que significa "boa o suficiente para criar um livro que seja mais facilmente aceito pela público leitor". E mesmo isso é discutível, uma vez que não há uma fórmula certa para o sucesso... Mas deixemos a filosofia de lado e vamos em frente! Comece avaliando sua "idéia candidata" com duas perguntas simples: Esta idéia é única? Por que vale a pena contá-la? Uma idéia só vale à pena ser contada, a meu ver, se tiver um "quê" de original. Se vou escrever uma cópia do Harry Porter, por que as pessoas comprarão meu livro, ao invés do livro original? Detalhe: o diferencial de sua idéia pode ser, por exemplo, o ponto de vista do personagem ou a forma de contar a história. Por exemplo, se quero escrever um livro sobre um homem que vira uma barata (como em "A Metamorfose", de Franz Kafka), posso ser original se minha idéia for escrever a história do ponto de vista das baratas... ;) Quanto à segunda pergunta, ela se refere a avaliarmos o cerne a idéia, a mensagem que a idéia passa, e não apenas a história em si. Voltando ao nosso exemplo, "A Metamorfose" não é na verdade uma história sobre um homem que vira barata, mas sim uma história sobre a desumanização das pessoas frente a uma sociedade industrial e um sistema burocrático e opressor. Assim, volte àquela sua idéia para escrever um romance e se pergunte: O que eu quero dizer com isso? Esta idéia é realmente original? Por vezes, ajuda pensar no que os leitores dirão quando alguém lhes perguntar "sobre o que é a história?" e "a história se parece com o quê?". Se você está confortável com as respostas, e acha que sua idéia vale à pena, não se afobe que há um longo caminho a percorrer antes da idéia "virar uma história"; começando pela pesquisa. Semana que vem falamos sobre isso!